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Migração venezuelana: Desemprego e informalidade são mais altos entre mães estrangeiras solo

SÃO PAULO – Já faz mais de três anos que a venezuelana Yenni Golindermo, de 40 anos, mora sozinha com dois filhos em um abrigo em Boa Vista, Roraima, no Norte do país. A caçula, de três anos, nasceu no alojamento. Yenni busca emprego desde que chegou ao Brasil e já perdeu a conta de quantos currículos deixou, de quantas entrevistas fez. O desfecho é sempre o mesmo: muitos “nãos” ou apenas silêncio.

— Nas entrevistas perguntam se tenho filhos e as idades deles. A maioria nem liga de volta. Outros dizem que com filho pequeno é difícil, porque criança fica doente. Se não fosse o abrigo, estaríamos na rua, porque sem trabalho não tenho nem como pagar aluguel — conta Yenni, que trabalhava com gastronomia e artigos para festas antes de deixar Puerto Ordaz, no estado venezuelano de Bolívar.

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O mercado de trabalho já impõe dificuldades a mulheres e mães brasileiras, que dirá a mães sozinhas e imigrantes. Quando a caçula de Yenni completou um mês, o pai disse que iria à Venezuela ver a família. Nunca voltou. Sozinhas com os filhos, muitas mulheres, como Yenni, veem-se obrigadas a prolongar sua estadia em abrigos porque dependem da estrutura para proteção, teto e comida.

— Na maioria, são mulheres refugiadas imigrantes da Venezuela. É um fluxo migratório igualitário em números, de praticamente 50/50 entre homens e mulheres. Mas não é igualitário em oportunidades — explica Flávia Muniz, especialista da ONU Mulheres em empoderamento econômico de refugiadas e imigrantes.

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Pesquisa recente do Acnur (a agência da ONU para os refugiados) com a ONU Mulheres e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) mostra que as mulheres representam 54% da população venezuelana nos abrigos em Roraima — 91% dos venezuelanos ali têm filhos, mas o desemprego recai mais sobre as mulheres. Entre elas, essa taxa é de 34%; entre os homens, de 28%. E as diferenças se aprofundam no dia a dia.

— Há uma quantidade expressiva de famílias chefiadas por mulheres, que são diretamente responsáveis pelo sustento e as condições de vida dessas pessoas. A questão é que isso acaba limitando as ferramentas para que o espaço emergencial do abrigo ou o período delas em Roraima sejam algo temporário — conta Letícia Alves Fernandes, assistente sênior de proteção de refugiadas e imigrantes do Acnur.

O levantamento revela ainda que as mulheres têm menos oportunidades na interiorização com vaga sinalizada de emprego do que os homens, mesmo com nível educacional maior que o deles. A interiorização é parte da Operação Acolhida, programa coordenado pelo governo federal que faz ponte com municípios, entidades da sociedade civil, empresas ou pessoas interessadas em receber venezuelanos.

— Por terem a responsabilidade e o tempo dedicado às famílias, as mulheres têm menos chances de se inscreverem em vagas de emprego, de buscarem capacitação — diz Letícia.

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Não por acaso, diante das portas fechadas do mercado de trabalho formal, o grau de informalidade entre as mulheres (22%) é duas vezes o dos homens (11%).

— Essas situações moldam a experiência de integração socioeconômica das mulheres. Elas têm até mais dificuldade em aprender português do que os homens. Afinal, dentro do abrigo por mais tempo, acabam falando espanhol. Tudo pesa para que tenham uma participação no mercado mais baixa que a dos homens, com taxa de desemprego mais alta e precarização — explica Flávia.

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Os dados, afirmam os especialistas, mostram a necessidade de fortalecer as políticas públicas e dão bases para a criação de projetos específicos de empoderamento econômico para essas mulheres. A integração pelo trabalho é, inclusive, ferramenta contra outras formas de exploração e violência.

— Mulheres e meninas são mais vulneráveis em qualquer conceito de deslocamento forçado. Em outra pesquisa que fizemos, 20% das entrevistadas relataram ter sofrido algum tipo de violência física ou psicológica e até mesmo violência sexual. É mais um fator de desigualdade — destaca Igor Martini, chefe do escritório da UNFPA em Roraima.

A venezuelana Erika Mendoza, de 28 anos, migrou para o Brasil com o marido e cinco filhos. Moravam em um apartamento em Boa Vista, e os vizinhos denunciaram que ela sofria violência doméstica. Há dois meses, Erika se mudou para um abrigo com as crianças.

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Este é outro desafio para a inserção das mães migrantes sozinhas: não basta emprego, é necessária uma rede que acolha e dê condições às mulheres.

— Na Venezuela, trabalhei em lojas como vendedora e caixa. Também tenho experiência em cozinha. Mas falta apoio para trabalhar. Sozinha, sem familiar próximo, sair e deixar as crianças é mais complicado — diz Erika.

Recentemente, ela se uniu ao grupo que cuida da alimentação no abrigo. E tem de levar as crianças ao refeitório com ela.

— Meu sonho é conseguir um trabalho, estar mais uns meses aqui até me estabelecer, alugar uma casa e poder ter quem cuide das crianças.