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Reforma Tributária: por que carros elétricos podem ter de pagar mais imposto que caminhões a diesel?

O parecer com o primeiro texto da regulamentação da Reforma Tributária entregue ontem pelo grupo de trabalho formado na Câmara dos Deputados estabelece um imposto adicional para veículos elétricos, mas mantém a cobrança regular da alíquota-padrão dos dois futuros impostos sobre o consumo para carros e caminhões movidos a combustíveis fósseis.

Se a proposta for aprovada dessa forma no Congresso, os carros elétricos terão um imposto adicional aos futuros IBS e CBS. É o Imposto Seletivo, criado na Reforma Tributária para onerar produtos que tenham algum tipo de impacto negativo social, ambiental ou relativo à saúde.

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Enquadrar o carro elétrico neste que vem sendo chamado de “imposto do pecado” e não um caminhão a diesel ou automóvel movido a gasolina parece uma contradição. Mas especialistas e executivos dos setores apontam os motivos.

Os veículos elétricos, ainda que não precisem do abastecimento de gasolina, são vistos como poluentes por causa de suas baterias, cujo descarte é um problema ambiental, observa João Henrique Ballstaedt Gasparino, diretor executivo do Grupo Nimbus:

— Os carros elétricos são poluentes desde a sua fabricação. Temos cemitérios de carros elétricos pelo mundo, já que o descarte dos materiais é complicado.

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Para Ricardo Bastos, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), a decisão compromete o futuro da produção nacional de um produto decisivo na transição energética:

— Veículos, de uma forma geral, não deveriam fazer parte do “imposto do pecado”. Para nós é um equívoco. A carga tributária de veículos já é muito alta. Não vai permitir ao Brasil crescer em termos de escala e a eletrificação não faz mal ao meio ambiente — afirma.

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Se os combustíveis fósseis contribuem com o aquecimento global com a emissão de gases de efeito estufa, por qual motivo, então, os veículos movidos a diesel ou gasolina não foram incluídos no Imposto Seletivo na proposta inicial de regulamentação do novo sistema de impostos?

Jeslei Rocha, gerente de Tributos Indiretos da EY, explica que o efeito final do Imposto Seletivo é uma inibição de consumo. E, apesar do impacto ambiental, e economia precisa de veículos, ela observa, citando a forte dependência do Brasil do transporte rodoviário..

— Faria sentido ter tributação em relação aos veículos automotores que usassem combustíveis prejudiciais ao meio ambiente, mas a gente tem de olhar a questão de desestímulo ao consumo. O governo não quer inibir a compra de carros e caminhões. A gente acaba fugindo um pouco da natureza da razão de ser do imposto.

Danielle Caldeirão, advogada especialista em direito tributário do Miguel Neto Advogados, avalia que, ainda que os caminhões movidos à diesel sejam poluentes, são veículos que movem a economia nacional, visto que a maioria das commodities é transportada dentro do país via rodovias. O aumento da alíquota poderia pesar no bolso dos consumidores, aumentando o custo de diversos produtos.

— A greve dos caminhoneiros impactou muito o país. Caminhões são indispensáveis para a nossa economia, visto que não temos malha ferroviária adequada — argumenta a advogada.

Pesquisador vê incoerência

Para Eduardo Salusse, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a exclusão de caminhões do Imposto Seletivo por “participarem do processo produtivo” é incoerente, diante do fato de que embarcações e aeronaves terão de pagar mais impostos:

— Caminhões são todos a diesel, e querem tributar elétricos, na contramão do que acontece no resto do mundo. Excluir só ele porque “faz parte do processo produtivo” é uma incoerência. Embarcação e aeronave não fazem parte? Não existe transporte aquaviário? — diz ele, elencando que feirantes, pequenos produtores e ribeirinhos não utilizam os veículos pesados e também fazem parte do processo produtivo.

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) se diz contrária à inclusão de automóveis e veículos comerciais na lista de cobrança do Imposto Seletivo, independentemente do tipo de propulsão.

Para a entidade, a cobrança “restringe acesso a automóveis novos, atrasando a renovação da frota brasileira, mantendo por mais tempo nas ruas os veículos antigos, mais poluentes e menos seguros”.